Práticas Educativas Apontando Novos Paradigmas II: minha, sua, nossas histórias.
I- Vida, educação e identidade humana.
“Professora, depois de hoje, só comerei segunda- feira.” (Sérgio, 7anos)
Durante muito tempo da minha vida achei que para um profissional ser bom seria necessário ter apenas uma boa formação, tirar boas notas, saber fazer um bom planejamento e ter seriedade no desempenho de suas tarefas. Assim me portei durante os cursos Normal e Adicional. Sonhava em ser a professora ideal para meus alunos, bastava colocar em prática o aprendido e tudo sairia bem. Ledo engano... Foi na turma de Sérgio e com o Sérgio o meu mais árduo e sério, me dei conta da real situação: a história não era bem assim. Havia algo ainda não sabido, ainda não revelado de fundamental importância que, certamente, mudaria toda a minha vida profissional e pessoal.
Já naquela época vivi na própria pele a máxima Freiriana: “O professor ao ensinar aprende.” Sim, a fala de Sérgio me ensinava, dizia ser necessário algo mais para além de ali estar e a ele e seus amigos “ensinar.” Haveria de me posicionar não apenas pedagogicamente – através de planos de aula, metodologias e materiais didáticos adequados – também precisava me expor mais, abraçando uma postura humana, ética e solidária para com aquelas crianças e seus familiares; não poderia ser neutra em minhas ações. Fui paulatinamente me dando conta da situação desumana a que estavam atreladas e me indignando com a situação. Ali descobri que as pessoas passavam fome e senti a necessidade de fazer algo rapidamente. De lá para cá são algumas décadas de produção de Sérgios e mais Sérgios, com o empobrecimento da população brasileira, a cada ano que passa se tornam cada vez mais necessárias práticas pedagógicas reflexivas e inclusivas no interior das escolas. Crianças como Sérgio precisam comer, estudar; cuidado e de pessoas que por elas se responsabilizem. É preciso pensar, construir e concretizar a Pedagogia social, capaz de para além de educar, promover ações pedagógicas de inclusão capazes de enxergar nossos alunos a partir de suas potencialidades e não apenas dificuldades.
Olhava para os lados e não conseguia ver ninguém se ocupando deste tema em suas reflexões, parecia ser a única a enxergar a questão social sobre a qual estávamos imersas. Inconformada e indignada resolvi colocar o meu fazer a favor de meus alunos e suas famílias, construindo a partir deles e por eles novas formas de ser e de estar educadora. Foi assim que tudo começou. Hoje, após tantos anos percebo cada vez mais a necessidade de educadores afinados com a pedagogia social, envolvidos com ações pedagógicas capazes de transpor os muros da escola acenando com possibilidades de sucessos para esses alunos a partir de uma ação competente e politicamente correta. Sim, é justamente por este motivo que “educar é um ato político.” (Freire, 2000). E enxergar educação desta forma é trabalhar a partir de uma nova ótica, de um novo paradigma. Um paradigma da inclusão, das oportunidades, da solidariedade e da humanização. Falo a partir da ótica do paradigma da pós- modernidade (ou da complexidade), que, longe de organizar, classificar e excluir trabalhando, portanto, com a impossibilidade humana, produzindo a morte de muitos, seja física, mental, espiritual ou intelectual; ele trabalha com a potencialidade, a partir da lógica da inclusão, ele busca uma visão complexa dos fatos, das pessoas, do universo e, por este motivo, ouso denominá- lo de Paradigma da Dignidade.
II- Nosso desafio.
“A identidade de um povo é marcada por sua história..”
Assim minha identidade de ser humano, mulher e educadora foi construída, a partir da troca de saberes com meus alunos e suas famílias, a partir da ação reflexiva coordenada da jovem educadora que fui com meus tão queridos alunos e suas famílias. Foi ali, com eles e para eles onde aprendi a ser a educadora de hoje, marcada pela ação pedagógica cujo fazer busca ao educar, transformar a consciência dos meus educandos. Caso não me deixasse influenciar pela situação de exclusão dos meus alunos, faria hoje parte do grupo de educadores que acredita na padronização, na ação mecânica e repetitiva e, principalmente na passividade diante dos desafios da vida, naturalizando as questões impostas pelo dia -a- dia escolar, aceitando a sociedade, os seres humanos e a minha formação como prontas e acabadas. Não, muito pelo contrário, fui aprendendo sobre a inacabamento do ser, da sociedade, da natureza e, se inacabados, são possíveis de transformação a partir de ações humanas, éticas, estéticas, políticas e profissionais.
Fui me dando conta paulatinamente da profunda relação existente entre a responsabilidade do meu fazer e a possibilidade de transformação concreta e real da sociedade em que vivo. Sei que a escola sozinha não fará este trabalho, mas também sei ser esta a minha parte neste longo e histórico processo. É como a fábula do beija- flor:
“Diz a lenda que havia uma imensa floresta onde viviam milhares de animais, aves e insetos. Certo dia uma enorme coluna de fumaça foi avistada ao longe e, em pouco tempo, embaladas pelo vento, as chamas já eram visíveis por uma das copas das árvores. Os animais assustados diante da terrível ameaça de morrerem queimados, fugiam o mais rápido que podiam, exceto um pequeno beija-flor. Este passava zunindo como uma flecha indo veloz em direção ao foco do incêndio e dava um vôo quase rasante por uma das labaredas, em seguida voltava ligeiro em direção a um pequeno lago que ficava no centro da floresta. Incansável em sua tarefa e bastante ligeiro, ele chamou a atenção de um elefante, que com suas orelhas imensas ouviu suas idas e vindas pelo caminho, e curioso para saber porquê o pequenino não procurava também afastar-se do perigo como todos os outros animais, pediu-lhe gentilmente que o escutasse, ao que ele prontamente atendeu, pairando no ar a pequena distância do gigantesco curioso. – Meu amiguinho, notei que tem voado várias vezes ao local do incêndio, não percebe o perigo que está correndo? Se retardar a sua fuga talvez não haja mais tempo de salvar a si próprio! O que você está fazendo de tão importante? – Tem razão senhor elefante, há mesmo um grande perigo em meio aquelas chamas, mas acredito que se eu conseguir levar um pouco de água em cada vôo que fizer do lago até lá, estarei fazendo a minha parte para evitar que nossa mãe floresta seja destruída.
É uma opção individual, tem haver com uma série de opções realizadas em nossa vida; é, acima de tudo, uma forma de ser e de estar no mundo que nos forma e nos transforma em pessoas, seres humanos diferenciados, alinhados com determinada visão de sociedade, de homem e de mundo.
Bibliografia:
Araújo, Martins Margareth. um diálogo com crianças trabalhadoras que insistem em estudar. Campinas , 2005.
- Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 1996.
___. Pedagogia do Oprimido. Paz e terra, São Paulo, 98.
- Morin, Edgar. Introdução ao pensamento complexo.Lisboa, Instituto Piaget, 2004.
- Teixeira, Anísio. Manifesto dos pioneiro da escola nova de 1932: principais propostas.